quinta-feira, 30 de outubro de 2008

HOJE SOU EU



- Bebe este cházinho querido que te faz bem à tosse.
- Oh Mãe, mas esse sabe outra vez a literatura antiga.
- Bebe! A semana passada dei-te o chá de “Os Maias” do Eça, diz lá que não gostaste?!
- Pois… Já não bebia esse chá desde o liceu. Soube-me muito bem e recordei todos os bons momentos com a chávena na mão deste autor. Mas o ano passado disseste-me para beber o “Memorial do Convento” e eu nem com muito açúcar consegui engoli-lo. Não que não goste de Saramago, mas prefiro as suas outras bebidas. Aquela sangria do “iberismo” é mesmo a minha preferida. Se bebo muito até fico tonto, além disso, crédulo.
Tusso.
- Estás ver?! Eu não te disse que te andas tratar mal! Só folhetos distribuidos à porta do metro; de supermercados a anunciar promoções de 100%; de feiticeiros africanos que fazem ganhar o euromilhões; de próteses dentárias em que implantam duplos dentes caninos para "te tornares uma fera"; de cursos de formação como o “ torne-se em 35 horas mestre de sushi e de feijoada à brasileira, aprendendo também a encher galheteiros”; jornais de tiragem gratuita como o " Iscasse" publicado depois do fim do "idasse" e após a proibição do "fosgasse" ( sse primeiro era com c de cedilha) , o desportivo dos teus colegas de trabalho e depois dá nisto, adoeces!
- Mãe, sabes bem que tenho andado cansado. Depois as viagens nos transportes públicos o ruído perturbador da cidade que impede a concertação para beber um bom chá, o trabalho…
- As mulheres…
- Mãe! Sabem a café com cheiro a despudores tropicais que mantêm os sentidos despertos. Além disso fazem bem ao coração.
- O café provoca insónias e hipertensão! Outras pior que isso, são cicutas, não a panaceia que julgas beber.
- Bem… mas para quem gosta de signos o prazer está em viver entre o Amor e a Morte, tu sabes isso!
- Lá estás tu a ser prosaico e a querer dizer-me que além de café, também bebes whisky. Mau...
- O que é que esperavas depois de me obrigares a beber chá desde pequeno? Bem, e para que saibas só comecei a beber café aos 16 anos, até lá foi só cevada.
- A culpa foi do teu Pai que me impediu nessa altura de te dar os sermões do Padre António Vieira” ou mesmo S. Agostinho e em vez disso te serviu Baudelaire.
- Bons tempos em que bebia tudo sem açúcar e em quantidade.
- Em excesso, dizes tu!
- O excesso faz parte da arte de viver!
- Ai, ai.
A Mãe com um gesto terno, estendeu-lhe outra vez o livro.
- Vá, bebe o "Amor de Perdição". Estou a ficar uma velha tonta ao servir-te isto.
- Obrigado Mãe! Sabes que eu adoro sempre os teus chás.
E começou a sorvê-lo devagarinho…

PS - "lunático" (
sujeito à influência da Lua;
maníaco;
excêntrico. :-)

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