quinta-feira, 30 de outubro de 2008

HOJE SOU EU



- Bebe este cházinho querido que te faz bem à tosse.
- Oh Mãe, mas esse sabe outra vez a literatura antiga.
- Bebe! A semana passada dei-te o chá de “Os Maias” do Eça, diz lá que não gostaste?!
- Pois… Já não bebia esse chá desde o liceu. Soube-me muito bem e recordei todos os bons momentos com a chávena na mão deste autor. Mas o ano passado disseste-me para beber o “Memorial do Convento” e eu nem com muito açúcar consegui engoli-lo. Não que não goste de Saramago, mas prefiro as suas outras bebidas. Aquela sangria do “iberismo” é mesmo a minha preferida. Se bebo muito até fico tonto, além disso, crédulo.
Tusso.
- Estás ver?! Eu não te disse que te andas tratar mal! Só folhetos distribuidos à porta do metro; de supermercados a anunciar promoções de 100%; de feiticeiros africanos que fazem ganhar o euromilhões; de próteses dentárias em que implantam duplos dentes caninos para "te tornares uma fera"; de cursos de formação como o “ torne-se em 35 horas mestre de sushi e de feijoada à brasileira, aprendendo também a encher galheteiros”; jornais de tiragem gratuita como o " Iscasse" publicado depois do fim do "idasse" e após a proibição do "fosgasse" ( sse primeiro era com c de cedilha) , o desportivo dos teus colegas de trabalho e depois dá nisto, adoeces!
- Mãe, sabes bem que tenho andado cansado. Depois as viagens nos transportes públicos o ruído perturbador da cidade que impede a concertação para beber um bom chá, o trabalho…
- As mulheres…
- Mãe! Sabem a café com cheiro a despudores tropicais que mantêm os sentidos despertos. Além disso fazem bem ao coração.
- O café provoca insónias e hipertensão! Outras pior que isso, são cicutas, não a panaceia que julgas beber.
- Bem… mas para quem gosta de signos o prazer está em viver entre o Amor e a Morte, tu sabes isso!
- Lá estás tu a ser prosaico e a querer dizer-me que além de café, também bebes whisky. Mau...
- O que é que esperavas depois de me obrigares a beber chá desde pequeno? Bem, e para que saibas só comecei a beber café aos 16 anos, até lá foi só cevada.
- A culpa foi do teu Pai que me impediu nessa altura de te dar os sermões do Padre António Vieira” ou mesmo S. Agostinho e em vez disso te serviu Baudelaire.
- Bons tempos em que bebia tudo sem açúcar e em quantidade.
- Em excesso, dizes tu!
- O excesso faz parte da arte de viver!
- Ai, ai.
A Mãe com um gesto terno, estendeu-lhe outra vez o livro.
- Vá, bebe o "Amor de Perdição". Estou a ficar uma velha tonta ao servir-te isto.
- Obrigado Mãe! Sabes que eu adoro sempre os teus chás.
E começou a sorvê-lo devagarinho…

PS - "lunático" (
sujeito à influência da Lua;
maníaco;
excêntrico. :-)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O PAGAMENTO E O PREÇO DAS INSCRIÇÕES…

Uma das 1ªs medalhas que ganhei e que é a minha predilecta

Antes do 25 de Abril de 1974 não havia cultura desportiva de massas, aliás naquele altura havia quem tratasse mal os poucos atletas que corriam pelas ruas da cidade e, incitando-os a irem trabalhar para as obras!
O movimento de massas veio depois, e foi, sobretudo, o poder local quem apoiou o Movimento da Corrida para Todos com os apoios logísticos e financeiros.

Claro que nesse tempo os prémios eram modestos; medalhas para os dez primeiros de cada escalão e pouco mais. Os atletas eram totalmente amadores e exclusivos de clubes onde alguns recebiam pequenos subsídios.

Em 1975 a um ano dos jogos Olímpicos de Montreal, Canadá, o Prof. Moniz Pereira solicita ao governo um maior apoio para os melhores e potenciais candidatos a participarem nos Jogos Olímpicos, os atletas começam a ser dispensados nos seus empregos de uma parte do dia (manhã ou tarde). Recordo que Carlos Lopes ganhou uma medalha de prata nos 10.000 mts, Aniceto Simões bateu o recorde nacional dos 5.000 mts. Com 13.21”, José Carvalho para além de baixar o mítico crono de 50” bateu o recorde nacional com 49.9” e foi 5º na final de 400 metros barreiras!

A partir daqui e sobretudo nos anos 80, inicia-se o movimento profissional e, naturalmente, os prémios alteram-se significativamente. Tudo evolui, umas coisas bem, outras mal, até aos dias de hoje.

O que está em regressão, parece-me, é a participação dos atletas de pelotão – não podemos avaliar o movimento através das Minis das Pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, porque aí, a participação dos 30 ou 35 mil pessoas é pontual e embora haja já indícios dum movimento de transição destas para as corridas, os valores ainda são residuais.

Segundo estudos efectuados recentemente, o atleta de pelotão, em geral, já só participa em 10/12 provas por ano contra as 20/25 de outrora. Quanto a mim, por razões de ordem económica ou financeira, entre os quais está os altos custos de deslocação, mas também os altos preços das inscrições que dispararam ultimamente. Pessoalmente vou ter que reduzir, ainda assim vou fazendo as tais 25 provas, mas na época em curso, há-de ser difícil...

Há que reflectir sobre estes números, se dantes havia imensas provas com inscrições gratuitas e com bons apoios das autarquias, hoje isso não acontece, daí a razão principal das inscrições pagas.

A sensação que eu tenho é que o Estado se está a demitir das suas obrigações. Segundo a nossa constituição no seu artigo 79, cabe ao estado promover e apoiar as instituições e as colectividades para o desenvolvimento do desporto em geral e do atletismo em particular. Se a nível de Elites os apoios já estão ao melhor nível europeu. Do ponto de vista do desporto de lazer os apoios começam a ser confrangedores! E como se pode ver, o que o estado poupa ao não apoiar e não promover o desporto de manutenção e lazer, vai mais tarde pagar em despesas de saúde, com a recuperação de jovens “apanhados” pela toxicodependência, e a baixa produção dos adultos activos, graças às elevadas taxas de abstenção no trabalho por via de altos índices glicéreos, ou colesteróis, ou cardíacos!

Conclusão: como tudo hoje é pago, ou tendencialmente pago, (quem quer saúde paga, quem quer habitação paga, quem quer cultura paga etc. etc.) porque não pagar as inscrições das corridas?

Perante o quadro actual, claro que estou de acordo! O que não estou de acordo é com o valor, muitas vezes, exorbitante. Depois há aquela estratégia da inscrição barata a seis meses do evento e que sobe vertiginosamente a um mês da corrida. E há os casos do oito ou oitenta. Veja-se o caso da Corrida do Tejo; teve inscrições gratuitas durante as primeiras 24 edições, de repente passa para 7€, depois 8€, já vai em 10€! Já para não falar dos preços exorbitantes das “meias” das pontes! Aqui ao lado na vizinha Espanha, onde o poder de compra é substancialmente mais elevado que o nosso, os preços são semelhantes e nalguns casos inferiores, veja-se o caso da excelente Meia Maratona de Sevilha com 7€ de inscrição!!! Das duas uma: ou os “nossos” organizadores são, um pouco, gulosos, ou os espanhóis têm muito mais apoios! Ou será as duas coisas?...

Continua…
Um Abraço
Orlando Duarte

domingo, 26 de outubro de 2008

3º GRANDE PRÉMIO JOSÉ ARAÚJO

Sem dúvida que foi uma bela manhã de corridas. A minha crónica deste ano, felizmente, vai ser diferente da do ano passado. Diferente porque, tal como eu desejei, não houve acidentes, ao contrário do ano passado, nem sequer incidentes (apesar dum pequeno lapso na corrida dos infantis que ficou mais curta, mas felizmente foi para todos, o que levou a não haver prejuízo para ninguém.).

Estou feliz porque José Araújo foi mais uma vez homenageado com a presença de mais de sete centenas de atletas de ambos os sexos e todos escalões e, sobretudo, porque tivemos a sua presença, da sua esposa e da sua escola de atletismo, pese embora os seus 84 anos!


José Araújo continua ligado à modalidade pelo segmento da formação e captação de jovens. E se os seus mais de 70 anos ligado às corridas não bastassem, o facto de não largar esta tarefa, mais a sua dedicação, seriam merecedores desta singela, mas sentida, homenagem que a Junta de Freguesia de Campolide lhe vem prestando ao longo destes últimos três anos.


Estou também satisfeito com os números (neste momento só tenho os da prova de 10km) de participantes desta edição. Houve um aumento de 102 chegados (+28.02%) que o ano passado. Passámos de 364 para 466, não obstante o limite de 400 inscrições. Nos últimos dias válidos para a inscrição, os pedidos foram tantos que houve necessidade de condescendência, o que levou as inscrições até ao máximo de 520!

Há atletas que questionam o porquê deste limite. A razão que leva a este procedimento tem a ver, fundamentalmente, com dois aspectos:
1 - O limite de capacidade, logística e humana, duma autarquia que não nada em dinheiro nem em recursos humanos, e apesar do empenho, generosidade e acção do movimento associativo na freguesia, que tudo tem feito para nos apoiar, há que reconhecer que o tempo dos “carolas” e voluntarismo já não é o que era!

2 - O receio de pormos em causa a segurança e integridade física dos atletas, à entrada e saída, e até durante o percurso na galeria do aqueduto, porque não, e por via disso a prova vir a perder qualidade. Nós queremos continuar a ver os semblantes dos atletas à chegada, com expressões algo pesadas face ao exigente troço entre os kms 4.5 e 6.5, mas todos, ou quase, com um sorriso nos lábios e a dizer mais ou menos isto: “vale a pena fazermos aquelas subidas, a panorâmica cá de cima é maravilhosa!” “ Que espectáculo! É pena ser só um quilómetro em cima do aqueduto!”



Um Abraço e até à próxima!


Orlando Duarte

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

REBOBINAR PARA RESPIRAR



Nha corpo é di tchom
Nha’alma é di Deus
Vida é di meu
Coraçon é pa bô

 

Um porto de abrigo. Deixa-me lançar amarras no teu corpo. Estou cansado da tempestade dos dias.

 

 Ontem terça-feira de um plano de treinos em défice.

 

Serei breve nesta minha descrição do treino de ontem:

São 16.30, visto o equipamento para correr: collants quentinhos comprados nestes hipermercados que vendem os produtos da globalização há muito anunciada; camisola térmica regateada nos picos da Europa a um português que vendia produtos fabricados em Portugal mas com a marca de uma multinacional  e ténis de treino “made in…”, não precisam de se dar muito ao trabalho de adivinhar, já estão a ver não é?! Saio para a rua, reparo que sou alvo de atenção da população sedentária do café perto da minha casa. Nada a que não esteja habituado, as meninas devem achar que eu estou com uma lingerie sexy e os meninos que sou alguma borboleta esvoaçante a caminho de uma gay parade. Do pensamento das primeiras, sinto-me lisonjeado, dos segundos: enganam-se  rapaziada  vou correr! E corro, neste dia de Inverno fresco com uma ligeira neblina que assenta num dos muitos braços com que o Tejo aqui rasga a terra na sua ânsia de grandeza e liberdade. 1.23m de um treino “raivoso”, a penitenciar-me dos pecados da gula do fim-de-semana passado. Quando acabo, sinto que o meu corpo expurgou contrariado pelos poros o que o saciou dias antes. Até estou zonzo. Retorno à calma, alongamentos, hidratação ( H2O). Consulta da “escala de serviço” ,estou outra vez escalado para fazer o jantar…hidratos de carbono e proteínas de frango (  e quem sabe uns nitrofuranos) e a acompanhar uma bebida quente com vitaminas e minerais…gostam?!

Hoje 70m “on the rocks”

 

Abraço e bons treinos.

 

 PS - Desculpem, mas este estava na gaveta. Contudo posso decalcá-lo ao dia que agora termina. Para a semana ( ou ainda esta há mais).

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

TERRA


Pousou a chávena de chá cuidadosamente sobre a mesa, endireitou-se no sofá e proferiu, num tom vago, indefinido, esta verdade, que de tão verdadeira até dói: “As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade.” O seu olhar atravessava cada um de nós sem nos ver, mergulhado que estava num ponto preciso, que sabíamos fantástico, surreal. Suspensos daquela frase, aguardámos em silêncio um desenvolvimento que tardava. Mas quando chegou, foi como que uma torrente de emoção e delírio se derramasse sobre nós, copiosa e incontinente.

Falou de si, falou de nós. Ora com a enorme força da sua portentosa voz, ora num sussurro quase inaudível. Mais do que ouvir, podíamos sentir a sua respiração. Então, como sempre fazia, apresentou-se, abriu-nos o seu coração e cantou. E assim cantando, tudo e todos encantou. “Há dias que marcam a alma e a vida da gente”, dizia. “Vende sonho e marezia”, acrescentava. E era como se todos fossemos tomados de verdadeiro arrebatamento e bebêssemos nas suas palavras o sentido duma vida que, não poucas vezes, se nos apresenta sem sentido.

Saltitando entre Pessoa, Camões ou Florbela Espanca, seguia “do vale à montanha, da montanha ao monte”. Sentia-se, vivia-se, sonhava-se, enquanto confessava: “Eu canto um país sem fim”. Descia às tascas da Mouraria, mergulhava na sua infância, dava um salto a Cabo Verde. E, de lugar em lugar, ia subindo, até se afirmar no nosso mais íntimo como alguém que é parte integrante do todo que somos nós, do todo que é Portugal, que é a sua língua, que são as suas gentes.

“Ó gente da minha terra!” Arrepiante, a sua voz era agora uma faca que penetrava nos corações e nos turvava a vista de lágrimas. Passeava-se ali à nossa frente, homens e mulheres beijando-lhe as mãos, derramando “emoções que dão vida à saudade que trago”. Quando fez menção de se ir embora, ninguém lho permitiu. A conversa prolongou-se com trivialidades e muito humor. Falou de ter ido “à Feira de Castro” ou de como se travou de razões com o “senhor vinho”. Ainda teve tempo para nos ensinar a cantar em “inglês”. Mas depois, inevitavelmente, tudo acabou.

Levantou-se e vimos como era alta. Muito alta e esguia. Ao sair voltou-se para trás, adivinhou-nos a interrogação e respondeu, ainda e sempre com um sorriso: “Nem às paredes confesso!” À medida que se afastava, um turbilhão de ideias tomava conta dos espíritos e uma certeza impunha-se às demais: “Há gente que fica na história da história da gente”. Obrigado Mariza!

JOAQUIM MARGARIDO

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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ainda o Tejo




Diz ele: "- A prova roça a perfeição!"
Diz ela :"- Então esclareça, por favor,
Se com tão alta taxa de inscrição
Pode essa prova ser de tal primor!?
Leva o coiro e cabelo até mais não
E em troca… uma t-shirt "anti-suor"
De uma só cor, de forte intensidade,
Passando a multidão a irmandade.

Na minha terra isto é publicidade
(Que aqui, parece bem eficiente),
Dez mil assim, em uniformidade
Num monocolorido mar de gente;
Era justa menor austeridade
C'um preço mais em conta, simplesmente,
Que exibir neste evento a marca xis
Vale talvez bem mais do que se diz! "
Fernando Andrade

PORQUE COMECEI A CORRER...


Porque comecei a correr?

A Minha modalidade favorita era o ciclismo, por via da grande festa da Volta a Portugal. Vivia num bairro pobre da periferia da cidade de Lisboa. Como não tínhamos bicicletas, arranjávamos caricas, colocávamos no seu interior cascas de fruta, para podermos distinguir qual era a nossa "bicicleta", desenhávamos uma pista no chão, com curvas, subidas, descidas, pontes etc. etc. e ali estávamos horas e horas naquelas corridas…as corridas, propriamente ditas, entravam nos jogos do Lenço, na apanhada e pouco mais.

Até que um dia…alguém acendeu a luz a este país. O país abriu-se, ficou mais alegre, mais humano e começou a desenvolver-se. Apareceu um movimento que tinha como lema: "O Desporto Para Todos" ou o "Desporto à Porta de Casa", não fui insensível e fui "contaminado". Com dois ou três amigos comecei a treinar (a esta distância reconheço que comecei muito mal), as provas foram aparecendo e desde o princípio de 1975 que pratico a corrida.

Qual a primeira corrida?

Sinceramente não me lembro. Certamente, até hoje, terei participado em mais de 600 corridas. Todavia, só dez anos mais tarde comecei a registar as corridas em que participo, por via disso, posso afirmar que desde Setembro de 1985 até 19 de Outubro de 2008, participei em 441 corridas, tendo percorrido 4 896 quilómetros em competição e recebido imensas lembranças, entre as quais 326 camisolas!

O que me custou mais?

O início foi algo penoso, por ignorância, por falta de apoio material, pela qualidade do material…os mais velhos perceberão o que eu estou a relatar. Os mais novos se, por ventura, virem fotografias de há 30/35 anos, facilmente perceberão o que eu estou a tentar dizer-lhes. Os tecidos, secos já eram pesados, imaginem depois de suados…os sapatos de corrida idem idem. Pertencer a um clube pobre de bairro, que apesar de ter algumas pessoas empenhadas e generosas, pouco mais nos podia dar. O país estava atravessar uma crise política e, por consequência, económica. E assim, só a força da juventude, a paixão que a pouco e pouco se apodera de nós, os resultados que vão melhorando prova após prova, superou todos esses obstáculos e me fez "resistir" até hoje (e espero por muitos mais anos).
Hoje tudo é diferente, há mais e melhores condições de treino, há mais conhecimentos, e se houver calma e paciência, a introdução na corrida poderá ser indolor. Começar com uma hora de corrida contínua, como eu comecei, hoje é impensável. Há que alternar: corrida ligeira com marcha, retirando pouco a pouco a marcha chegando ao ponto de se fazer a tal hora de corrida contínua com prazer…


Meu maior sonho?

Tive vários. O primeiro foi entrar para um grande clube. Em Setembro de 1976 fui prestar provas ao Estádio do Restelo a fim de entrar para o C. F. "Os Belenenses" e fui aprovado. Convém recordar que naquela época aquele clube atravessava um mau bocado e os subsídios para os atletas eram fracos, logo o quadro de atletas não podia ser muito forte, daí o meu recrutamento. Porém, três meses depois surgiam-me problemas nos joelhos e foi detectado um problema congénito nas rótulas e tive que ser operado aos joelhos e lá se foi o meu primeiro sonho…

Dez anos depois, comecei a sonhar com a maratona. Face à retirada de dez por cento das minhas rótulas, a intensidade de treino, necessariamente, abrandou e a maratona era mesmo um sonho. Contudo, pensei: “com mais ou menos dores, tenho que fazer uma maratona!”. E como só posso fazer uma, e como bom português, quero fazer menos de três horas… depois de 1000 km de intensos treinos durante longos três meses, participo na Maratona de Lisboa a 6 de Novembro de 1988. As condições climatéricas não podiam estar piores para se fazer uma maratona: frio, chuva e sobretudo vento. Durante a corrida vejo o tempo a passar e nenhuma marca de passagem a ser cumprida, a dada altura, num dos poucos locais que havia vento a favor, ainda me aproximei do objectivo porém, aquela légua dos 30/35 km na 24 de Julho com vento forte contra, deitou tudo a perder. Eu estava a valer 2h55, mas o objectivo era baixar as 3 horas, nem que fosse 2h59m59…naquelas condições saiu 3h02m10s e lá se foi mais um sonho…mas o prazer de completar uma maratona ficou cá, é inesquecível, inenarrável, só quem já transpôs aquela linha final compreende o que estou a dizer...

Próximo sonho: correr até aos últimos dias da minha vida…

A partir de hoje, sem nunca ter sonhado ser jornalista (que não sou, nem pouco mais ou menos), muito menos escritor, acho estar a viver um sonho… poder colaborar com este blogue rodeado de cinco excelentes escribas!!!

Um Abraço e até um dia destes por aí nalguma prova!

Orlando Duarte

domingo, 19 de outubro de 2008

28ª CORRIDA DO TEJO

Esta prova está atingir padrões de alta qualidade e a roçar a perfeição. É muito difícil encontrar pontos negativos (há provas que os pontos negativos são tão gritantes que não é preciso procurá-los).

Felizmente a Corrida do Tejo sempre foi uma corrida bem organizada e inovadora. Há três anos com a comercialização da prova, temos que reconhecer que as mais-valias são evidentes. Ainda assim, sem procurar muito há, pelo menos, duas situações que terão que melhorar:

1º - O transporte ferroviário antes da corrida (é inadmissível aquelas condições de transporte, já não considerando o prejuízo causado a cidadãos alheios à corrida, que ficaram inibidos daquele transporte);

2º - A escassez de retretes portáteis – junto às portas principais haviam só quatro – geram imensas filas de espera por um lado e por outro “obrigam” os homens a fazer aquela figura canina junto às paredes, mas até aqui tudo bem (?), o pior é o caso das mulheres, como é? Andamos sempre a dizer que há pouca participação feminina (o que não foi o caso, hoje tiveram em prova 1905 mulheres 21.25% dos participantes), que as mulheres não saem de casa, que não participam, mas depois não lhes damos as devidas condições. Na pastelaria onde tomei café, era vê-las aflitas, do ponto de vista fisiológico e cronológico, meia hora na fila, naquelas condições não é fácil!

O preço das inscrições será certamente para muitos, um ponto negativo. Mas aqui, há o benefício do retorno com a qualidade da organização. Enquanto nos pontos referidos todos, dum modo geral, são atingidos, no caso do preço das inscrições atinge os menos abonados – e nesta altura 10€ (ou 14€) fará diferença no orçamento familiar de muita gente.

CURIOSIDADES

8961 Atletas classificados

7056 Homens / 78.75 %

1905 Mulheres / 21.25 %

Nos primeiros 1 000 classificados chegaram 31 mulheres / 3.1 %

Nos primeiros 2 000 classificados chegaram 80 / 49 mulheres / 4 % / 4.9 %

Nos primeiros 3 000 classificados chegaram 157 / 77 mulheres / 5.23 % / 7.7 %

Nos primeiros 4 000 classificados chegaram 251 / 94 mulheres / 6.27 % / 9.4 %

Nos primeiros 5 000 classificados chegaram 383 / 132 mulheres / 7.66 % / 13.2 %

Nos primeiros 6 000 classificados chegaram 581 / 198 mulheres / 9.68 % / 19.8 %

Nos primeiros 7 000 classificados chegaram 843 / 262 mulheres / 12.04 % / 26.2 %

Nos primeiros 8 000 classificados chegaram 1254 / 411 mulheres / 15.67 % / 41.1 %

Nos últimos 961 classificados chegaram 651 mulheres / 67.74 %

Um Abraço e até à próxima!

Orlando Duarte

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Folha

Segurou-se com as derradeiras forças ao ramo que a mantinha suspensa, mas inevitavelmente uma leve brisa outonal foi suficiente para a arrancar e levar pelo ar.

Esta manhã tinha acordado com o sobressalto da consciência súbita que cada segundo passado significava menos tempo para ela chegar. Ela, essa personagem esperada, mas sempre surpresa. A Morte. Cada segundo passado significa menos tempo para ela chegar, nesse dia que será o dia da morte dela, o seu dia que chegará um dia. Porque as folhas também morrem, como as pessoas. Sacodem-nas o vento num dia de sua velhice, até as arrancar do ramo a que se agarram e que as alimenta, se antes mãos humanas ou desumanas as não arrancaram já do ramo, ainda vivas e verdes e jovens, espirrando seiva como sangue e lágrimas, que escorre viva pela mão impune assassina.

E esvoaça pelo ar a folha, cruza-se com corvos e pardais, pousa num telhado por segundos de meditação para logo de seguida ser atirada ao chão, pisada e com sorte juntar-se às irmãs, formando húmus que alimentará árvores como a sua mãe, que de novo darão mais folhas, verdes, como ela já foi e em conjunto serão de novo árvore. O ciclo repetir-se-á enquanto distraídos passam os homens pela vida e pelas árvores.

Mas esta folha teve outra sorte. Foi parar a outras mãos. Umas mãos de dedos esguios delgados, que buscavam ervas para um chá. Ervas, folhas e plantas. Variadas. Para um chá especial. De aliança entre os homens. Requintado e convidativo queria-se o chá. Seleccionava ervas ele, de entre todas excluindo as daninhas que não deixam crescer as outras e dão um sabor amargo ao chá, contando-se até que o torna venenoso, algumas.

Cuidadosamente, ele pegou na folha. Naquela folha. Tinha uma forma estranha, e apesar de morta, havia nela ainda vida, vida para se transmitir, para passar a outras folhas, a árvores, a homens e a mulheres.

Levou-a para casa com cuidado com as mãos em concha, como que para evitar que os resquícios de vida que ele sentia nela não se escapulissem definitivamente, e protegeu-a do vento e dos pés dos homens.

Na chaleira a água já fervia. Cuidadosamente esmagou parte da folha e misturou-a com as outras trazidas pelos outros. Verteu a água fervida sobre a mistura num bule que de imediato exalou um odor único que encheu a sala e se espalhou pelo mundo num rasto com caminho e destino desconhecido.

O chá estava pronto.
ANA PEREIRA

Geografia





Entre Ovar e o Porto corre o Tejo!
Outubro assim define a “geografia”
E vai correndo em nós o são desejo
De aceitar o convite à correria.
Nem sempre ao pátrio espaço cabe o ensejo
De ter mais atenção e primazia,
Que aqui, correr é que é prioritário
Mesmo que o mapa informe do contrário.

Fernando Andrade

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Bom Chá!



MENINOS, A CHALEIRA JÁ ASSOBIA! TRAGAM AS CESTINHAS COM AS FOLHAS! Gritou a "Mãe" procurando reunir à sua volta os "meninos" que andavam meio dispersos. Lá em casa apenas tinha umas folhas já meio secas colhidas há já algum tempo, de uns virtuosos arbustos, da última vez que fora treinar para o Parque da Paz. Mas ela queria fazer um chá mais diversificado. Precisava de outras espécies, com outros aromas e esperava que cada um trouxesse das melhores folhas colhidas lá pelos lugares onde passam a maior parte do tempo.

Esperava-se que chegassem as aromáticas e raras folhas colhidas nas bermas dos “trilhos míticos” da Arrábida. Nas zonas de difícil acesso das velhas paredes do Aqueduto das Águas Livres, teriam sido cuidadosamente retiradas umas pequenas plantas, de características muito especiais; Dos Jardins de Serralves chegaria um cabaz com várias espécies exóticas de aroma discretos mas consistentes; O pão-de-ló de Ovar e umas queijadinhas de Sintra, iriam dar um acompanhamento perfeito.

No bule com água fervente, foi feita a infusão com os vários tipos de folhas conseguidas. Voltou-se a tapar, de acordo com o velho ritual e bastou aguardar alguns minutos, para que as xantinas se libertassem.

Chegaram-se todos junto à mesa. Uma mesa enorme, redonda, com uma toalha de linho, sobre a qual se distribuíam as chávenas. Ao centro havia uma velha jarra (vinda de uma outra sala, de boa memória) contendo um lindo ramo de flores.

Cada um ocupou o seu lugar e, num acto solene, a “Mãe” proferiu as seguintes palavras:

- Tomai todos e comei. Este é o chá da aliança, feito por todos nós. Que aquilo que nos une prevaleça sempre sobre o que nos divide. Longa vida ao Chá dos Cinco!

Brindaram! E ocuparam os seus lugares…

FERNANDO ANDRADE

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O PRIMEIRO DIA


Foi com resignação, mas sobretudo com uma enorme tristeza, que recebeu a notícia. Estava assim por ela, que a sabia igualmente triste e desiludida. “A princípio é simples”, mas agora… Tinha sido o grande responsável pela sua vinda e, no momento da partida, era como se perdesse algo que lhe era muito querido.

Não deixariam de se ver, não trairiam a sua amizade, haveria sempre a garantia duma palavra do lado de lá do telefone. Mas aquele sentimento de união sob uma mesma bandeira, sob um mesmo emblema, aquele “brindar aos amores com vinho da casa”, aquela força interior que advinha do facto de partilharem gostos e vontades de chama ao peito, isso não mais se repetiria.

Alguém poderia censurá-la, acusá-la do que quer que fosse? Ninguém. Espalhara aos quatro ventos a sua enorme alegria e juventude sem esperar nada em troca. “E enfim, duma escolha, fez-se um desafio”. Convicta da justeza do seu acto, ali estava ela, afirmando que nem tinha razões para sair. Só que lhe faltavam motivos para ficar.

Resignado e triste, ele era "um rapazinho a ver se compreende”. Revoltado só de pensar que não estava certo. Desesperado por não conseguir “beber a coragem até dum copo vazio”. Impotente em contrariar esta tendência, cada vez mais feroz, do individual que abafa o colectivo. Desiludido com esta vida de merda, com este “corre-corre” onde não há tempo para ter tempo.

Então sentou-se e escreveu. E escrevendo sentiu-se melhor. Passou os olhos pelo que tinha escrito e viu que, não dizendo tudo, disse muito do que queria dizer. Já passara por isto algumas vezes e sabia que “doutra maré-cheia virá a maré-vaza”.
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Depois levantou-se e foi tomar chá.

JOAQUIM MARGARIDO

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