sábado, 29 de novembro de 2008

Sábado - o dia dela

Tinham-lhe dito que o sábado era dela. Caíra-lhe em sorte num escalamento rigoroso de turno fabril em que as máquinas não podem parar, sucedendo-se e variando apenas os dedos que as manuseiam, garantindo uma produção contínua e lucrativa à custa do suor e do sangue dos operários que para não lhes faltar o pão, não faltam ao lugar que lhes foi atribuído, sob pena de se o fizerem, amanhã estarem na rua sem pão.

Apesar disso, ela tem faltado no dia e à tarefa que a si compete. Não se tem deixado muito ver. Tem-se escondido e o seu lugar à mesa do chá tem-se mantido vazio, com uma chávena de chá já frio e sem graça. Não fossem os amigos da mesa que se têm mantido firmes e outros em mesas vizinhas, talvez ela não voltasse mais...
…………..

Quando a cerca de uma semana de comemorar o seu 36º aniversário a encontraram no leito, de

“…olhos serenos, enigmáticos

Meninos que na estrada andam perdidos,

Dolorosos, tristíssimos, extáticos,

…/… letras de poemas nunca lidos”(*),

os dois frascos de Veronal estão ainda praticamente cheios, e lê-se a terminar o seu “Diário do Último Ano:

” … e não haver gestos novos nem palavras novas.”

E não houve. Nem gestos nem palavras. Dela. Não chegou sequer a completar os seus 36 anos…

(*) – Florbela Espanca, extracto de “A Mensageira das Violetas”

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